MOORE, G. Escritos
Filosóficos; trad. Paulo R. Mariconda. - São Paulo: Nova Cultural, 1989.
RAWLS, J. Uma Teoria da
Justiça; trad. Carlos P. Correia. - Lisboa: Presença, 1993.
SEARLE, J. Mente, Cérebro
e Ciência; trad. Artur Morão. - Lisboa: Edições 70, 1987.
[...] “O
filósofo Karl Popper afirmava que a conhecida frase ‘A voz do Povo é a voz de
Deus’, foi durante muito tempo entendida como uma forma uma sabedoria sem
limites, sendo assumida mesmo como a autoridade final sobre todas as questões. Esta
"voz do Povo" equivale hoje figura mítica do "Homem da Rua",
no seu voto e na sua voz. Nesse aspecto considera-se como a voz do povo aquele
conhecimento tido como definitivo, de domínio público. São as chamadas
"ideias feitas", "preconceitos" e também as "tradições".
Essas são passadas e repassadas desde a infância e se sobrepõem ao conhecimento
objetivo, de forma que de posse desse conhecimento coletivo ou Senso Comum,
pouco faz em busca da confirmação científica daquilo que se tem como verdade
absoluta, sendo que não há também o interesse nessa investigação. O Senso Comum
responde às indagações básicas a contento e a sociedade, de uma maneira geral
se dá por satisfeita com essas respostas”.
[...] “O
filósofo inglês George Edward Moore (1873-1958) escreveu um ensaio intitulado Uma
Defesa do Senso Comum (1925) onde já se demonstrava como um defensor
contundente deste tema filosófico tendo como ponto de partida a compreensão
precisa do significado das expressões da linguagem. Neste ensaio, ele sustenta
que certos truísmos derivados do senso comum podem ser tidos como verdadeiros.
Por exemplo, saber que um corpo humano presente e vivo é meu ou não;
que em tempos diferentes, muitas diversas coisas aconteceram e que eu nasci num
determinado tempo no passado entre outros” [...].
“Cada
indivíduo, na maioria das vezes, sabe sobre si mesmo todas aquelas
afirmações de sua história pessoal que ele afirma saber, no que diz respeito a
seu pensamento e corpo. A confusão criada pelos filósofos em torno desse tipo
de conhecimento dar-se-ia pelo fato deles tomarem essas questões do ponto de vista
de uma terceira pessoa, fora daquele que afirma saber o que diz. Em outras
palavras, outros seres humanos poderiam ter outros corpos sem que o sujeito
soubesse que eram corpos humanos, já que da posição subjetiva não há como saber
o que aconteceu no passado com outros seres humanos, além do próprio sujeito.
Ora, da perspectiva externa, ninguém pode assegurar a verdade das proposições
do senso comum. Só do ponto de vista interno e pessoal é que alguém pode dizer
que sabe algumas sentenças triviais do senso comum, pertinentes ao seu
próprio saber. O que Moore quer garantir é esse conhecimento mínimo de que cada
um sabe que sabe a verdade das proposições do senso comum”.
[...] Falar com desprezo
daquelas "crenças do senso comum" que mencionei é certamente o máximo
dos absurdos. E há, obviamente, grande número de outras características na
"visão do mundo do Senso Comum" que, se aquelas [crenças] são
verdades, são certamente verdade também: por exemplo, que viveram sobre a
superfície da terra não apenas seres humanos, mas também muitas espécies
diferentes de plantas e de animais. (MOORE, G. Op. Cit., in Escritos
Filosóficos, p. 253).
“Com isso,
Moore quer dizer é que se uma pessoa sabe que uma proposição do senso
comum é verdadeira, não há motivos para se duvidar que ela saiba, de fato, essa
verdade. Isso não impede que outros acontecimentos venham a negar tal verdade.
Entretanto, é preciso que alguma pessoa saiba que essa nova informação seja
verdadeira, para que ela possa ser sustentada. O senso comum não precisa de
mais nada, para provar a sua verdade, a não ser do conhecimento interno de
alguém que sustenta uma dada afirmação como verdadeira. Além disso, uma vez
posto esse conhecimento básico, a verdade do mundo exterior também poderia ser
sustentada, do mesmo modo que as sentenças triviais, a partir da certeza de
quem sabe”.
“Várias
formas de se encarar o comportamento humano são derivadas da análise do senso
Comum. As crenças e os desejos do indivíduo interagem com a mente deste
produzindo uma determinada conduta. A análise desta conduta não poderia ser feita
tomando como base apenas a física ou neurologia. A soma dessas ciências com a
análise do Senso Comum dá origem àquilo que se chama de Psicologia Popular”.
“Os
defensores da psicologia popular afirmam que a complexidade dos mecanismos de
decisão para uma ação não permite que se abandone as crenças e desejos do senso
comum, em favor de uma simples explicação fisiológica, sem levar em
consideração as características intencionais de um evento mental. Se uma série
de neurônios é afetada pela presença de determinado neurotransmissor, esse fato
por si só não explica porque uma pessoa prefere ir para o trabalho a pé, de
ônibus, metrô ou táxi. As escolhas desse determinado indivíduo revelam uma
preferência moldada por outros fatores além de sua base física e material”.
“Embora
nenhum evento na natureza possa ocorrer sem o suporte material, isso não quer
dizer que a melhor interpretação desse evento deva se dar no âmbito das
ciências naturais. Sobretudo quando se trata da ação humana, palavras como
livre arbítrio, desejos, crenças e hábitos são indispensáveis para o
entendimento real das causas que levam o agente humano a realizar ou não um
determinado do ato”.
“Nesse
sentido, a intencionalidade está além da descrição neurofisiológica do
comportamento humano, precisando ainda da esfera da psicologia popular, típica
do senso comum, para que uma explicação do fenômeno mental seja bem sucedida.
Apesar de não conseguir, ainda, propor leis sobre esse comportamento, a
psicologia popular não pode ser dispensada e o senso comum tem aqui um papel a
desempenhar”.
“Mais
do que um saber imediato, a análise do Senso Comum está frequentemente ligado à
resolução de problemas práticos do quotidiano, construído com base em experiências
subjetivas. Esse saber resulta de sucessivas acumulações de dados provenientes
da experiência, sem qualquer seletividade, coerência ou método. Trata-se de uma
forma de saber ligado ao processo de socialização dos indivíduos, sendo muito
evidente a influência das tradições e idéias feitas transmitidas de geração em
geração”.